o homem precisa habituar-se a ela pouco a pouco, do contrário fica deslumbrado.
(Allan Kardec)
Há possessos? Existe a possibilidade de dois
Espíritos coabitarem num mesmo corpo? O mergulho cronológico nas obras da
Doutrina Espírita, nos leva ao seu berço, “O Livro dos Espíritos”: (1)
1857
Perg.473–Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro corporal de uma
pessoa viva, isto é introduzir-se num corpo animado e obrar em lugar do outro
que se acha encarnado nesse corpo?
O Espírito não entra em um corpo como entrais numa casa. Identifica-se com
um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus,
a fim de obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre quem atua,
conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido. Um Espírito não pode
substituir-se ao que está encarnado, por isso que este terá que permanecer
ligado ao seu corpo até ao termo fixado para sua existência material.
Kardec retira suas conclusões, prepara e formula a pergunta seguinte, e os
Espíritos respondem: (1)
Perg. 474_ Desde que não há possessão propriamente dita, isto é coabitação de
dois Espíritos no mesmo corpo, pode a alma ficar na dependência de outro
Espírito, de modo a se achar subjugada ou obsidiada ao ponto de sua vontade vir
a achar-se, de certa maneira, paralisada?
Sem dúvida e são esses os verdadeiros possessos. Mas é preciso saibais que
essa denominação não se efetua nunca sem que aquele que sofre o consinta, que
por sua fraqueza, quer por deseja-la. Muitos epilépticos ou loucos que mais
necessitam de médico que de exorcismos têm sido tomados por possessos.
Os Espíritos aí, fazem uma nítida distinção entre os verdadeiros e os falsos
possessos.
Os verdadeiros são os subjugados até ao ponto de sua vontade vir a achar-se, de
certa maneira, paralisada; os falsos são os que não correspondem aos casos de
obsessão, necessitando tratamento médico.
Comenta ainda Kardec, após a resposta dos Espíritos:
O termo possesso só se deve admitir como exprimindo a dependência absoluta em
que uma alma pode achar-se a Espíritos imperfeitos que a subjuguem.
1858
Se havia alguma dúvida sobre a opinião do Codificador até aquele momento,
ele a desfaz no texto da Revista Espírita, por ele dirigida: (2)
Antigamente dava-se o nome de possessão ao império exercido pelos maus
Espíritos, quando sua influência ia até a aberração das faculdades. Mas a
ignorância e os preconceitos, muitas vezes, tomaram como possessão, aquilo que
não passava de um estado patológico. Para nós, a possessão seria sinônimo de
subjugação. Não adotamos esse termo (...) porque ele implica igualmente a idéia
de tomada de posse do corpo pelo Espírito estranho, uma espécie de coabitação
ao passo que existe apenas uma ligação. O vocábulo subjugação da uma idéia
perfeita. Assim, para nós, não há possessos, no sentido vulgar da palavra; há
simplesmente obsedados, subjugados e fascinados.
Fica bastante claro que, para ele, até aqui, não existia possessão.
1861
O texto acima é parecido com o exarado no “O Livro dos Médiuns” (3), com
uma diferença significativa no parágrafo, qual seja, a troca da palavra
“ligação”, por “constrangimento”.
1862
Momentaneamente, temos a impressão de que estariam respondidas, as indagações
formuladas na inicial, mas, apesar dessas considerações, o termo possessão
reaparece na Revista Espírita: (4)
Ninguém ignora que quando o Cristo, nosso muito amado mestre, encarnou-se na
Judéia, sob os traços do carpinteiro Jesus, aquela região havia sido invadida
por legiões de maus Espíritos que, pela possessão, como hoje, se apoderavam das
classes sociais mais ignorantes, dos Espíritos encarnados mais fracos e menos
adiantados (...) é preciso lembrar que os cientistas, os médicos do século de
Augusto, trataram, conforme os processos hipocráticos, os infelizes possessos
da Palestina e que toda sua ciência esbarrou ante esse poder desconhecido.
(Erasto)
Na mesma revista e no mesmo ano, (5) Kardec, nos “Estudos sobre os Possessos de
Morzine”, acrescenta a seguinte consideração:
O paroxismo da subjugação é geralmente chamado de possessão.
1863
A retomada do termo, tinha uma razão, e Kardec é bem incisivo na sua opinião na
Revista Espírita, sobre os mesmos Possessos de Morzine, que certamente o
impressionaram e influíram na mudança de sua conceituação sobre possessão, e
valeram doze citações no índice remissivo da Revista Espírita ( 1862,
63, 64, 65 e 68), além de outros estudos, na mesma revista, como, por exemplo,
quando analisa “Um Caso de Possessão”. (6) (7) Senão vejamos:
Temos dito que não havia possessos, no sentido vulgar do vocábulo, mas
subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta, porque agora nos é demostrado,
que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial,
de um Espírito errante a um encarnado. (...) Não vendo senão o efeito, e não
remontando à causa, eis porque todos os obsedados, subjugados e possessos
passam por loucos (...). Eis um primeiro fato, que o prova, e apresenta o
fenômeno em toda a sua simplicidade. (...)
(O Sr. Charles) Declarou que, querendo conversar com seu velho amigo,
aproveitava o momento em que o Espírito da Sra. A..., a sonâmbula, estava
afastado do corpo, para tomar-lhe o lugar. (....). Eis algumas de suas
respostas.
- Já que tomastes posse do corpo da Sra.A... poderíeis nele ficar ?
- Não; mas vontade não me falta.
- Por que não podeis ?
- Porque seu Espírito está sempre ligado ao seu corpo. Ah! Se eu pudesse
romper esse laço eu pregaria uma peça.
- Que faz durante este tempo o Espírito da Sra. A....
- Está aqui ao meu lado; olha-me e ri, vendo-me em suas vestes.
O Sr. Charles(...) era pouco adiantado como Espírito, mas naturalmente bom e
benevolente. Apoderando-se do corpo da Sra. A... não tinha qualquer intenção
má; assim aquela Sra. nada sofria com a situação, a que se prestava de boa
vontade.
Aqui a possessão é evidente e ressalta ainda melhor dos detalhes, que seria
longo enumerar. Mas é uma possessão inocente e sem inconvenientes.
Na mesma página, no entanto, Kardec descreve um caso de possessão da Sra.
Júlia, agora dirigida por um Espírito malévolo e mal intencionado.
Há cerca de seis meses tornou-se presa de crises de um caráter estranho, que
sempre corriam no estado sonambúlico, que, de certo modo, se tornara seu estado
normal. Torcia-se, rolava pelo chão, como se se debatesse, em luta com alguém
que a quisesse estrangular e, com efeito, apresentava todos os sintomas de
estrangulamento.
Acabava vencendo esse ser fantástico, tomava-o pelos cabelos, derrubava-o a
supapos, com injúrias e imprecações, apostrofando-o incessantemente com o nome
de Fredegunda, infame regente, rainha impúdica, criatura vil e manchada por
todos os crimes, etc. Pisoteava como se acalcasse aos pés com raiva,
arrancando-lhe as vestes. Coisa bizarra, tomando-se ela própria por Fredegunda,
dando em si própria redobrados golpes nos braços, no peito, no rosto, dizendo:
“Toma! Toma! É bastante, infame Fredegunda? Queres me sufocar, mas não o
conseguirás; queres meter-se em minha caixa, mas eu te expulsarei.” Minha caixa
era o termo que se servia para designar o próprio corpo.(...)
Um dia para livrar-se de sua adversária, tomou de uma faca e vibrou contra si
mesma, mas foi socorrida a tempo de evitar-se um acidente.
Vemos aí, a luta de dois Espíritos pelo mesmo corpo.
Este Espírito, Fredegunda, foi posteriormente evocado em sessões mediúnicas e
convertido ao bem. (8)
Mas, voltando aos Possessos de Morzine, (9) diz Kardec referindo-se ao
perispírito:
Pela natureza fluídica e expansiva do perispírito, o Espírito atinge o
indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza.
(...) Como se vê, isto é inteiramente independente da faculdade mediúnica (...)
Estes últimos, sobretudo (os possessos do tempo de Cristo), apresentam notável
analogia com os de Morzine.
Na mesma revista e no mesmo ano, selecionamos e pinçamos, para dimensionarmos a
extensão daquela possessão coletiva: (10)
Os primeiros casos da epidemia de Morzine se declararam em março de 1857(...) e
em 1861 atingiram o máximo de 120. (...)
(...) o caráter dominante destes momentos terríveis é o ódio a Deus e a tudo
quanto a ele se refere.
1864
Ainda sobre a possessão da Sra. Júlia(12), refere-se Kardec na Rev. Espírita,
(11):
No artigo anterior (1863) descrevemos a triste situação dessa moça e as
circunstâncias que provavam uma verdadeira possessão.
O grau de intensidade das possessões e sua reatividade a tentativa de
exorcização, vai bem descrita na Revista Espírita: (12)
“Desde que o bispo pisou em terras de Morzine”, diz uma testemunha ocular,
“sentindo que ele se aproximava, os possessos foram tomados de convulsões as
mais violentas; e, (...) soltavam gritos e urros, que nada tinham de humano”.
(...)
As possessas, cerca de setenta, com um único rapaz, juravam, rugiam, saltavam
em todos os sentidos. (...) A última resistiu a todos os esforços; vencido de
fadiga e de emoção, ele (o bispo) teve que renunciar a lhe impor as mãos; saiu
da igreja trêmulo, desequilibrado, as pernas cheias de contusões recebidas das
possessas, enquanto estas se agitavam sob suas benções.” (...)
Encontramos no “Evangelho, Segundo o Espiritismo, (13) a seguinte
referência sobre possessão e reforma íntima”:
No mesmo livro, (14), há considerações sobre as causas da possessão:
Nesse fato reside a causa da maioria dos casos de obsessão, sobretudo dos que
apresentam certa gravidade, quais os de subjugação e possessão.
1867
Ainda na Revista Espírita, (15) encontramos informações de como é esta
perda do livre arbítrio e como impedi-la:
Procedeis em relação aos Espíritos obsessores ou inferiores que desejais
moralizar (...) algumas vezes conscientemente, quando estabeleceis, em torno
deles uma toalha fluídica, que eles não podem penetrar sem vossa permissão, e
agis sobre eles pela força moral, que não é outra coisa senão uma ação
magnética quintessenciada.
1868
Na “A Gênese”, (16) Kardec disserta sobre domicílio Espiritual, típico
caso de coabitação, ou como agora quer Hermínio Miranda, “condomínio
espiritual, com síndico e convenção.”
Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui,
por assim dizer, ao Espírito encarnado, tomando-lhe o corpo por domicílio, sem
que este, no entanto, seja abandonado por seu dono, pois que isso só se pode
dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e
intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o
lugar de um encarnado, pela razão que a união molecular do perispírito e do
corpo só se pode operar no momento da concepção.
De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito serve-se dele como se seu
próprio fora: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços
conforme o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o
Espírito encarnado fala transmitindo pensamento de um desencarnado; no caso da
possessão é mesmo o último que fala e obra (...)
Seguindo ainda, no mesmo livro:
Parece que ao tempo de Jesus, eram em grande número, na Judéia, os obsidiados e
os possessos (...) Sem dúvida, os Espíritos maus haviam invadido aquele país e
causado uma epidemia de possessões. (17)
Com as curas, as libertações do possessos figuram entre os mais numerosos atos
de Jesus.(...) “Se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é que o reino
de Deus veio até vós.” (S. Mateus, cap. XII, 22 e 23) (18)
Deduzimos com base no exposto que, para que exista possessão, é preciso que o
Espírito obsessor identifique-se com o Espírito encarnado; aquele, atinge o
indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza;
o aniquilamento do livre arbítrio, parece ser completo, porque a ação
aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o
Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas
cujo pensamento jamais é aniquilado, pois o encarnado é que atua conforme quer,
sobre a matéria de que se acha revestido e portanto aquela dominação não se
efetua nunca sem que aquele que a sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer
por deseja-la; em vez de agir exteriormente ao Espírito encarnado, toma-lhe o
corpo por domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado por seu dono,
pois isso só se pode dar pela morte, por isso, a possessão é sempre momentânea,
temporária e intermitente. Para se libertar da possessão, é preciso fortificar
a alma, pelo que necessário se torna que o obsediado trabalhe para sua própria
melhoria, estabelecendo em torno de si, uma toalha fluídica, que eles não
possam penetrar sem sua permissão, agindo sobre eles pela força moral, por uma
ação magnética quintessenciada. Na possessão isto só é possível, com a ajuda
indispensável de terceiros.
Portanto, respondendo às indagações iniciais deste trabalho, podemos dizer que
Kardec, analisou todas as facetas e prismas da possessão e concluiu que; existe
possessão e também coabitação.
Uma obra, como a da Codificação Espírita, é indivisível e portanto deve ser
analisada como um todo, jamais devendo ser fragmentada ou dividida, na análise
de seu conteúdo; existem vários temas, nas obras básicas (O Livro dos
Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo O Espiritismo,
A Gênese, O Céu e o Inferno) e na Revista Espírita, em que
as verdades foram estudadas à luz dos conhecimentos adquiridos no dia a dia e
suas opiniões, às vezes alteradas, sem que correspondessem a uma mudança de
idéia, mas sim, a uma evolução de verdade em verdade, degrau a degrau na escada
ascensional do conhecimento, como convém a um cientista sábio, astuto,
inteligente, honesto e antes de tudo, humilde, coisa rara, aliás.
A fé raciocinada sobre a égide desta humildade, aconselhada e praticada pelo
mestre lionês, levou-o na busca incessante da verdade, que sempre caracterizou
suas ações, a correta elucidação conceptual de possessão, incitando-nos também
a libertarmo-nos de duas outras; a dos dogmas e a do fanatismo.
Tenhamos igual têmpera e nos deixemos contaminar pela sua lição e pelo seu
exemplo; a lição inclina, o exemplo arrasta.
BIBLIOGRAFIA
(1) KARDEC, Allan . O Livro dos Espíritos, ed. FEB, 1987, perg. 473, pg.
250.
(2) Revista Espírita , 1858, pg. 278.
(3) KARDEC, Allan . O Livro dos Médiuns, ed. FEB, 1982 , item 240, pg. 300.
(4) Revista Espírita, 1862, pg. 109.
(5) Idem , 1862, pg. 359
(6) Idem , 1863, pg. 373.
(7) KARDEC, Allan . Obsessão, ed. “O Clarim”, 1993, pg. 225.
(8) Idem , pg. 229.
(9) Revista Espírita, 1863 pg. 01.
(10) Idem, 1863, pg. 103.
(11) Idem, 1864, pg. 11.
(12) Idem, 1864, pg.225.
(13) KARDEC, Allan . O Evangelho Segundo o Espiritismo, ed. FEB, 1995, pg. 432.
(14) Idem, pg. 171.
(15) Revista Espírita, 1867, pg. 192.
(16) KARDEC, Allan . A Gênese, ed. FEB, 1980, pg. 306.
(17) Idem, pg. 330.
(18) Idem, pg. 329.
________________
Fernando A. Moreira - fermorei@uol.com.br
Texto public RIE set/01
Um comentário:
Boa noite, pessoal
No dia 14 de novembro,das 14 às 18 horas, a Federação Espírita da Bahia estará realizando um Encontro com coordenadores e participantes de Grupos sobre o espírito André Luiz. Gostaríamos de contar com a participação de vocês. A coordenadora do evento é Nádia Matos.
Podem inscrever-se pelo e-mail encontrandoandreluiz@gmail.com. No evento vamos partilhar experiências com os conhecimentos e grupos de André Luiz. Abrs. Marcia Matos
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